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Mostrando postagens de 2008

O Canal Esquecido

Estava rendido ao fim do dia, liguei a televisão e foram passando diante dos meus olhos estórias e imagens que faziam diluir tudo o que acontecera nesse dia. Foi então que fiquei fidelizado com aquele canal, que me fez esquecer sodoma e gomorra e me deu à casa uma intimidade que hà muito tempo não sentia. Estar em casa é algo problemático, mas que pode acontecer em qualquer lugar. Por estranho que pareça, estava envelhecendo naquele local, que era a minha casa. E o canal esquecido foi fazendo desfilar ideias e sons e movimentações que a pouco e pouco me faziam terapia.

Estórias do Acaso (I)

Continuamos no trilho da ideia sugerida por Rilke, lida num suplemento literário de um jornal nacional. Naquele dia retira-se em casa para fazer várias coisas: ler, escrever um pouco, enviar umas cartas, fazer o melhor que sabia fazer: esperar. Contudo, algum sentimento de impotência apoderava-se do seu espírito, mas sentia-se preparado para trabalhar. Se tivesse condições sairia do país, podia ser que as experiências anteriores no estrangeiro, ainda dentro da Europa, não fossem mais do que meras experiências. No entanto andava de carro, com a mãe no lugar do morto e a irmã grávida conduzindo, ele atrás pungindo a sua condição. A cena repetia-se sempre que ouvia a canção de Moby. No entanto, o melhor era continuar a caminha por meio da floresta dos enganos, arriscando o seu rosto em ser desfigurado, o corpo maltratado, mas teria fé que um dia chegaria a algum lugar, que teria alguma vitória. O silêncio dos outros calara-o, também não queria que meio mundo fizesse e desfizesse dele, Jo

De como os vivos sabem dos mortos (pré-publicação)

Primeiro Capítulo De como a nossa personagem se dá conta da sua condição Quanto a um certo sentido das coisas, o mundo corria à pressa, sem ter em conta os destinos individuais. Naquele tempo e naquele país não adiantava de nada fazer silêncio revoltado ou gritar a todo o instante dizendo que se era vítima de uma qualquer forma de justiça. Pelas oito da noite, após um dia de trabalho, Josué Calisto, preparava-se para ver o noticiário pela sua televisão, eis que é seu espanto ver anunciado a abrir o jornal a notícia de que Josué Calisto estaria morto. A partir daquele dia tentou provar por todos os meios possíveis e impossíveis que afinal estava vivo. A conta do banco foi cancelada, ficando o banco com o dinheiro, na verdade Josué não deixara para os seus familiares nada da fortuna pessoal que amealhara nos anos produtivos da sua existência. Num dia que mostrava o sol numa beleza cintilante, Josué procurava essa beleza incandescente para o seu espírito. Sonho pouco e dormiu men

Diálogo com as Sombras (Pré-Publicação)

Num dos passeios à noite, uma figura estranha aproximou-se de Custódio. Aproximou-se demais, enquanto ele descansava na relva. -Quem é que me persegue? -Boas noites, não tenhas receio que eu sou apenas uma sombra. -Uma sombra? Então vocês não são visíveis sobretudo quando há luz? -Não é bem isso. É que durante o dia arrastamo-nos atrás dos nossos originais e somos impedidos de falar, além do mais não consigo descansar porque o meu original revolve-se na cama em sonhos terríveis e abominantes, sabes, tenho até medo que mate a sua própria sombra. -Quem é o teu original? - Perguntou Custódio. -O meu original é um médico. Acho-o uma pessoa vazia. Não tem vida própria. Nem sequer mereceria ter uma sombra dedicada como eu. -Estranho e curioso quando falas nisso, pois não sei o que diria de mim a minha sombra. Por acaso não a conheces? -Não sei, as sombras reúnem-se à noite em antigos castelos ou junto a regatos para expor as suas observações sobre os seus originais, ou donos. Fala

Pensarilho (4)

Estudar, insisto em estudar, em procurar nas palavras consolo e regra de vida, podia não ser assim, o meu conhecimento seria feito de experiência, mesmo assim não estou longe de tudo, pois como Drummond de Andrade, procuro a ode cristalina que não está nos dicionários.

Pensarilho (2)

Se a solidão me invade, o que poderei fazer senão amar o próximo, o que poderei fazer, se a noite cai, e o frio pousa sob meus ossos, o que poderei fazer para aquecer o coração? Não economicamente viável, dizia-se do homem e dos seus actos, o seu comportamento não arrastava simpatias, talvez tivesse o coração congelado, mas não, haveria de percorrer o mundo, haveria de fazer vingar os seus imensos sonhos, o passado perseguia-o como uma sombra, as energias faltavam, a sua luta era quixotesca, um dia, um dia teria felicidade, pois compreendera na solidão e do sofrimento, a sua condição, um dia o sol brilharia ao ponto de não ver sua sombra, a pique, sob o seu corpo adulto, e choveria logo a seguir, regenerando a mãe terra as suas sementes, acabaria num florilégio diverso, abraçado a sua amada, abraçado a uma outra vida. Muitas das vezes deixamos andar Não nos preocupamos com o amanhã Dizemos que o medo de ontem será O medo de amanhã Quando menos esperamo

Estórias do Acaso (pré publicação)

O título deste texto tem por inspiração “A Música do Acaso”, de Paul Auster. Vem um realizador escrito a Lisboa, chamado Paul Auster e fala na FNAC, porque terá escolhido Lisboa para filmar. Preciso de saber o que leva um americano a interessar-se por Lisboa e Portugal. Vou seguir as filmagens, talvez me desloque até ao local das filmagens, parece que é Sintra ou o Alentejo. Sai publicado no Jornal de Letras qualquer coisa sobre ele, que tem um ar pesado, deve fumar imenso, isto da associação da literatura e do tabaco está desactualizado, é anacrónico. Talvez devesse dar importância ao facto de ter a oportunidade de escrever e talvez devesse ter sabido aproveitá-la melhor. Pena é que não tenha antecedentes e veja a escrita estritamente como uma necessidade biológica subjectiva. Mesmo assim, talvez gostasse de conhecer a filha de Paul Auster.

A Poção d'Amor (pré-publicação)

Primeiro Capítulo Eulália Iemanjá estava perto da morte. Nos arredores de Lisboa, exercia a profissão de bruxa, aconselhando os clientes sobre males do espírito e do corpo. Manou Artides a visitara imbuído de curiosidade científica e padecendo também de um mal estranho à sua própria existência. Sua filha, Noémia Iemanjá, mostrara-se em todo o seu esplendor ao interromper a consulta para dar o número da conta bancária onde se iria depositar o dinheiro. Artides ficou com o seu número de conta e conseguiu junto de um amigo bem colocado em instituições bancárias, a sua morada e número de telefone. Um dia, pois, resolveu telefonar-lhe. Contava não que Iemanjá lhe curasse dos males, mas sim Noémia, Iemanjá também todavia. Apresentou-se como amigo de um conhecido comum e adiantou que precisava de lhe falar a sós, pois era detective privado e ela corria perigo de vida. Ela ficou espantada e talvez um pouco assustada e isso só aguçou o seu desejo. (continua)