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Testamento Filosófico

Amei. Por isso posso morrer e estar morto em paz. Morri aos poucos, em cada decepção. As justificação para o fracasso de não ter sido um prémio Nobel, um santo doutor da Igreja, um grande académico são muitas. Mas não vou falar delas aki. O que deixei neste terreno infértil que pisei: palavras, poucas as ditas, poucas as escritas. Queria ter ido mais longe, porém o sofrimento e uma personalidade estranha a mim mesmo com que me estranhava todos os dias me impediu. Talvez não tivesse tido o ambiente propício, mas a literatura, como a vida, não é uma batalha, por isso somos racionais. Amanhã estarei morto. Estarei fazendo chantagem? Que ficará de mim? Não me interessa, palavras. Pelos menos tenho a vívida impressão de que quis ser um deus, sempre foi o meu projecto, mas para isso teria de me ter adaptado. Escrevi desalmadamente durante anos. Sem freio e direcção. Onde cheguei? A um lugar de solidão que não sei será nos dias que correm castigo ou prémio. Entretanto, se tivesse forças, suprimiria a dor da minha alma, que nunca me tirou a alegria, mas foi tirando a esperança e a força. Afinal talvez seja isto apenas envelhecer. No entanto, tenho ainda um projecto. Não irei trabalhar mais. Mas queria viver no meu canto com uma companhia que falasse, se possível uma mulher. Agora não luto mais, deixarei para meus sobrinhos a tarefa de continuar questões que eu assinalei e levantei ou deitei (porque foram escritas). Se o mundo se pode salvar e acredito que sim, não eu, o mundo, será apesar pela escrita e o diálogo, o exercício de cidadania do uso da razão. É o caminho mais difícil, mas o que melhor respeita os que virão depois de nós.

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